CARTA ABERTA A SÉRGIO REIS

23 de Agosto de 2021

“Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada parcela do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres” (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão).


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Caro Sérgio Reis, eu não o conheço, a não ser dos shows e da TV, de forma que não tenho nenhuma intimidade com o senhor, mas comovido com sua situação ouso dirigir-lhe algumas palavras neste momento dramático em que muitos amigos lhe viraram as costas.

E o faço tão somente por um dever de consciência porque eu mesmo não atenderia à convocação para sair à rua em defesa das causas de interesse de algum político profissional, porque sei que por detrás de cada político profissional, ainda mais quando se trata de uma família inteira, há sempre algum esquema podre montado.

Mas deixemos esta conversa para uma outra ocasião porque o que hoje nos interessa tratar é da sua situação, sobre a qual eu posso opinar com propriedade por ter vivenciado situações ao longo de minha carreira de 37 anos no serviço público, como policial, promotor e juiz de direito, que agora podem nos servir como paradigma.

Em muitas dessas ocasiões eu me vi obrigado a descumprir ordens manifestamente ilegais de meus superiores, seguindo o princípio que ordens manifestamente ilegais não se cumprem (art. 22 do Código Penal brasileiro).

Então, eu entendo perfeitamente sua situação e o seu constrangimento, mas devo dizer-lhe, ainda que colocando-me sob risco, que a acusação que lhe imputam, de incitar um levante, não é outra coisa senão o exercício regular de um direito, porque o direito de insurreição ou rebelião é ínsito ao próprio conceito de democracia, porque se a fonte de onde emana todo o poder na democracia é o povo, só a ele cabe defendê-la e a mais ninguém, pelo que todos os outros guardiões da democracia não passam de meros usurpadores.

Por isso exatamente é que a Constituição da República de Portugal prevê em seu artigo 23 que ”todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.

Esse fundamento está explícito aliás na própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 35, que dita que “Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada parcela do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres.”

Na verdade, como diz o texto constitucional, ao Supremo cabe velar e guardar a Constituição, mas se o povo entender que ela não está sendo bem guardada, nenhum poder tem o Supremo para se opor a ele, porque como diz a mesma Declaração em seu artigo 28 “Um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e de mudar a sua Constituição: Uma geração não pode sujeitar às suas leis as gerações futuras”.

Na minha opinião, caro Sérgio, que é hoje felizmente a opinião senão da maioria mas de parcela significativa da sociedade brasileira, o Supremo Tribunal Federal é uma instituição profundamente antidemocrática, que tenta inutilmente se disfarçar sob outra capa, mas sem sucesso, porque as pessoas não estão mais deixando se enganar pelas aparências: seria demasiada coincidência tanta impunidade vingar em um mesmo solo não fosse a condescendência daqueles que deveriam guardar a lei.

Por fim, eu gostaria apenas de manifestar-lhe o meu apreço e reconhecimento, porque entre tantos que fazem da política meio de vida ou de satisfação de suas vaidades, o senhor soube renunciar a ela em ocasião oportuna, quando em nome de sua dignidade reconheceu que não teria como servir ao povo brasileiro em outro mandato como deputado federal.

Cordial e respeitosamente, subscrevo-me Danilo Campos.